segunda-feira, 17 de junho de 2013

Bom tempo, sem tempo

Não chovia, meses a fio. Ou chovia demais. As plantas secavam, os animais morriam,
os moradores emigravam. As plantas submergiam, os animais morriam, as pessoas não
tinham tempo de emigrar. Assim era a vida naquele lugar privilegiado, onde medrava tudo
para todos, havendo bom tempo. Mas não havia bom tempo. Havia o exagero dos
elementos.
O mágico chegou para reorganizar a vida, e mandou que as chuvas cessassem.
Cessaram. Ordenou que a seca findasse. Findou. Sobreveio um tempo temperado, ameno,
bom para tudo, e os moradores estranharam. Assim também não é possível, diziam.
Podemos fazer tantas coisas boas ao mesmo tempo que não há tempo para fazê-las. Antes,
quando estiava ou chovia um pouco - isto é, no intervalo das grandes enchentes ou das
grandes secas -, a gente aproveitava para fazer alguma coisa. Se o sol abrasava, podíamos
fugir. Se a água vinha em catadupa, os que escapavam tinham o que contar. Quem voltasse
do êxodo vinha de alma nova. Quem sobrevivesse à enchente era proclamado herói. Mas
agora, tudo normal, como aproveitar tantas condições estupendas, se não temos capacidade
para isto?
Queriam linchar o mágico, mas ele fugiu a toda.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Contos plausíveis. São Paulo, Record: 2006